Todo mundo sabe que o Portal de Periódicos da Capes é uma fonte inestimável para estudo e pesquisa, e que o acesso a essa base de dados é gratuito para professores/as, pesquisadores/as, estudantes e funcionários de mais de 311 instituições de ensino superior no Brasil. Sabe mesmo?
Parece que não. Como professora da Universidade de Brasília na área de Leitura e Produção de Texto, tenho contato com estudantes de diversas áreas, da Geografia às Artes Cênicas. Nas disciplinas que ministro na graduação, sempre encontro espaço para divulgar os periódicos, quando o assunto são textos acadêmicos. E a resposta dos/as alunos/as é quase sempre a mesma: o olhar que reflete absoluto desconhecimento, mas que reflete também curiosidade. Talvez o que falte a nossos/as estudantes de graduação seja apenas informação, e isso sempre se pode remediar.
Mas e quanto à pós-graduação e à pesquisa? É difícil compreender por que o Portal permanece subutilizado nas Ciências Sociais e Humanas se comparado às Ciências Naturais. Talvez seja uma questão de tradição no uso de periódicos como fonte para pesquisa, anterior mesmo às novas tecnologias da comunicação. Nós gostamos dos livros, e o mercado editorial lança, a cada ano, um número expressivo de novos livros ligados a nossas áreas. Agora, vendo à minha frente a estante repleta de livros, alguns dos quais ainda não pude ler, imagino que deva haver uma relação entre a subutilização do Portal nas Ciências Sociais e Humanas e o profícuo mercado editorial na área.
Que não se imagine que advogo contra os livros! Longe de mim, aficcionada que sou e confesso. Apenas procuro explicação para algo aparentemente inexplicável: se o portal de periódicos da Capes oferece acesso gratuito a muitos importantes periódicos nas diversas áreas das ciências sociais e humanas, por que, afinal, nossos/as alunos/as e nós mesmos/as utilizamos pouco uma ferramenta dessa envergadura?
A discussão sobre livros e periódicos lembrou-me uma figura ímpar em minha formação acadêmica: a professora Izabel Magalhães – tive a sorte de tê-la como orientadora no doutorado em Linguística na UnB. Quando eu lhe entregava os muitíssimos trabalhos que me coube escrever, nas formas de artigos e ensaios, ela sempre esquadrinhava as referências bibliográficas. E ai de mim se houvesse apenas livros e nada de periódicos! E foi ela a explicar-me que nos periódicos se publicam pesquisas ainda em andamento; que por meio dos periódicos temos acesso a desdobramentos mais atualizados das disciplinas que estudamos; que os artigos e ensaios publicados em periódicos, sendo mais curtos, trazem as informações mais pontuais, facilitando nossa busca; que os conselhos consultivos dos periódicos mais conceituados são a ‘garantia de procedência’ dos artigos a que podemos ter acesso. E me incentivou a buscar o portal, contando como, há algumas décadas, era custoso – em investimento tanto de tempo quanto de dinheiro, aliás – fazer pesquisa no Brasil, sendo necessário assinar revistas estrangeiras caríssimas e encomendar livros importados (o que continuamos fazendo, na verdade, nesse caso o que se encurtou foi o tempo de espera).
Como foram valiosos seus conselhos! No portal de periódicos da Capes encontrei artigos como o excelente “Discourse analysis in organization studies: the case for Critical Realism”, de Norman Fairclough, publicado em periódico da área de estudos organizacionais de que talvez eu sequer tomasse conhecimento de outra forma. E que falar do texto “Mixing methods in a qualitatively driven way”, de Jennifer Mason? Esse foi fundamental para a reflexão epistemológica que acabou se tornando o centro de minha tese e o objetivo que até hoje persigo. E a satisfação de encontrar um texto intitulado “Critical discourse analysis” – o campo interdisciplinar a que me dedico – no volume 29 da Annual Review of Anthropology, o que confirma a relevância da ADC para as ciências sociais? E o orgulho de ver o nome de Paulo Freire citado com reverência a cada vez que se fala em pedagogia crítica, como no artigo “Action research meets critical pedagogy”, publicado em Qualitative Inquiry?
São tantos os exemplos da utilidade dos periódicos da Capes em minha trajetória pessoal, e tão indiscutíveis os méritos desse investimento, que não posso deixar de me inquietar ao receber a notícia de que subutilizamos o portal em comparação com estudantes e pesquisadores/as de outras áreas. Espero que a inquietação possa levar não apenas a especulações sobre os motivos que levam a isso – como fiz aqui – mas também nos leve a pensar juntos e procurar os melhores meios para a difusão dessa ferramenta inestimável entre nossos/as estudantes.
Viviane de Melo Resende
Universidade de Brasília
Depto. de Linguística, Português e Línguas Clássicas
Programa de Pós-Graduação em Linguística